O “Wall Street Journal” publicou nesta quarta-feira (25) uma história
digna de filme sobre como o gigante das buscas Google aceitou publicar
anúncios de empresas que nem sequer existiam, vendendo sem receita
substâncias controladas. A ação envolveu um estelionatário que está
preso e US$ 200 mil (cerca de R$ 348 mil) em dinheiro do governo. Como
resultado, as atividades do Google vieram à tona e a empresa foi multada em US$ 500 milhões na ação movida pelo governo.
David Whitaker, 37, preso por estelionato, participou das investigações
durante quatro meses em 2009, fingindo ser o representante de
vendedores online de substâncias controladas – os detalhes da operação
só foram divulgados nesta semana pelo “WSJ”. “Por um lado, eu me sentia
mal, pois aprendi a gostar dessas pessoas. Por outro, eu sabia que eles
tinham consciência de estar fazendo algo errado”, escreveu Whitaker em
anotações sobre a operação, às quais o jornal teve acesso.
Prisão
Nascido no Tennessee, Whitaker já havia negociado anos antes com o
Google, anunciando nas buscas da empresa esteroides e hormônios para
crescimento humano. Na época (2006), ele havia fugido para o México e
criou essa farmácia online com produtos que exigem receita nos Estados
Unidos – portanto, segundo a política do Google, não poderiam ser
anunciados.
“Estava muito claro para o Google que meu site não era uma farmácia
legalizada. Sabendo disso, a empresa me ofereceu uma linha de crédito
generosa e permitiu que eu direcionasse meus anúncios para os
consumidores norte-americanos”, contou, segundo o “WSJ”.
Whitaker foi preso no México em março de 2008, por entrar ilegalmente
naquele país. Deportado para os Estados Unidos, ele respondeu por
diversos crimes cometidos anteriormente (fraude, conspiração e tentativa
de suborno). Às autoridades, o estelionatário contou como o Google
ajudava no comércio das farmácias baseadas em solo mexicano. Essa foi a
origem da operação que multou o Google em US$ 500 milhões (cerca de R$
870 milhões).
Diagnosticado com transtorno bipolar, segundo seus advogados, Whitaker
começou seu histórico de compulsão por gastar e fraudes aos 16 anos. Na
época, ele furtou o cartão de crédito da mãe, alugou um avião particular
e levou a namorada para fazer compras em Knoxville.
Em 2005, ele ganhou milhões de dólares ao anunciar iPods e outros
eletrônicos abaixo do preço, para então fugir sem entregar os produtos.
Ele rodou os Estados Unidos de jato particular, fugindo das autoridades,
e alugou por um curto período uma mansão em Miami por US$ 200 mil
(cerca de R$ 348 mil) ao mês. Depois fugiu para o México, onde começou a
vender remédios controlados com a ajuda do Google.
Whitaker, que se declarou culpado em dezembro e foi condenado a seis
anos de prisão, deve ser solto em dois anos – a pena máxima era de 65
anos. Os promotores classificaram sua cooperação como “extraordinária”.
Plano
Para comprovar se as acusações feitas sobre o Google eram verdadeiras,
os promotores públicos montaram a operação no início de 2009, com a
ajuda de Whitaker. Durante a semana, ele era escoltado da prisão de
Central Falls (em Rhode Island) para o prédio onde antes funcionava uma
escola, em North Providence (Rhode Island). Lá, sob a vigilância de
agentes federais, montou o esquema para as autoridades terem provas
contra o Google.
Com o nome falso de Jason Corriente, um representante de vendas com
muito dinheiro, o estelionatário conseguiu passar o sistema automático
de anúncios do Google, chegando aos executivos de venda da empresa.
Agentes federais criaram o site www.SportsDrugs.net, desenvolvido para
parecer que “um chefão das drogas no México havia construído uma página
para vender hormônios de crescimento e esteroides”, descreveu Whitaker.
A princípio, o Google rejeitou os anúncios do site de substâncias
controladas e do www.NotGrowingOldEasy.com, que venderia produtos
antienvelhecimento. No entanto, segundo o “WSJ”, os funcionários do
Google trabalharam em parceria com o falso Jason Corriente para burlar
as regras da empresa e encontrar formas de realizar os anúncios.
O plano passou a ser mais audacioso quando foram criados sites
anunciando medicamentos controlados para perder peso, além de outra
página oferecendo a pílula abortiva RU-486. A equipe de anúncios do
Google no México aprovou os sites, fazendo, por exemplo, com que os
internautas americanos em busca da pílula abortiva (e controlada nos
EUA) visualizassem o anúncio da página fraudulenta.
Montados os sites, os agentes federais adicionaram links nas páginas
para que os internautas comprassem as substâncias sem a necessidade de
receita. O jornal afirma que essa iniciativa é contra a lei
norte-americana, que proíbe a comercialização de remédios vindos de
outros países e sem prescrição médica. “Havia fotos, descrições e
rótulos que mostravam claramente que estávamos vendendo sem receita as
substâncias vindas do México”, afirmou o estelionatário.
“Teve uma enxurrada de e-mails de gente querendo comprar os hormônios e
esteroides”, afirmou o estelionatário sobre o site específico para
essas substâncias.
Os agentes conseguiram comprar anúncios para sites que vendiam – também
sem receita -- substâncias controladas como oxícodona e hidrocodona.
Eles também conseguiram fazer com que o escritório de vendas da China
aprovasse um site que oferecia Prozac e Vallium para internautas
norte-americanos, sem a necessidade de receita.
As compras não eram concluídas. Ao tentar fazer a aquisição, os
clientes eram informados de que receberiam um “kit de membro” do site,
que então permitiria negociar. Os kits nunca eram entregues, impedindo
assim que as negociações avançassem (o objetivo da ação era somente
fazer anúncios de conteúdo ilegal).
“Os funcionários do Google serviam como instrumentos para enganar a
política da verificação de farmácias. Os sites eram totalmente ilegais”,
descreveu Whitaker.
Evidências
Em meados de 2009, os agentes foram até a sede do Google, em Mountain
View (Califórnia) para avisar aos executivos sobre as evidências
coletadas.
O Google admitiu que havia colaborado de forma imprópria e consciente
com farmácias supostamente baseadas no Canadá, que visavam o público
norte-americano. “Banimos há algum tempo os anúncios de farmácias
canadenses, de substâncias controladas nos Estados Unidos. No entanto,
olhando para trás, fica óbvio que não deveríamos ter permitido esses
anúncios no Google”, afirmou a empresa, segundo o “WSJ”.
A companhia alega que sua rígida política previne que criminosos
utilizem o sistema de anúncios e bane os anunciantes que violam
repetidamente suas diretrizes. “Banimos não apenas os anúncios, mas
também os anunciantes que abusam da nossa plataforma. Trabalhamos
próximos aos representantes da lei e autoridades do governo para agir
contra os mal-intencionados”, afirmou Kent Walker, do conselho geral do
Google, à publicação.
Fonte: UOL Tecnologia